Artigo publicado na revista Take-Off Sirius de Fevereiro de 2017
…e não é bonito. Apesar da apreciação estética ser o que menos importa do ponto de vista das características de um caça, parece ser a única consensualidade relativamente ao F-35. Em tudo o resto, a especulação é generalizada, dentro e fora dos circuitos profissionais, relacionados com o projecto inicialmente conhecido por Joint Strike Fighter (JSF).
Debaixo do ar quase tosco que ostenta, está ainda assim a tecnologia que faz do F-35 o caça mais avançado, produzido até aos dias de hoje. Contudo, a colecção de atrasos e problemas técnicos no desenvolvimento do programa, derrapagens orçamentais e embaraços públicos (o mais notório com o cancelamento da apresentação na Europa em 2014 devido a problemas no motor), tornaram o F-35 num alvo apetecível. Apesar de ser um avião invisível aos radares, para a opinião pública e política (os mais mediáticos provavelmente John McCain e Donald Trump) tornou-se um enorme alvo fácil, onde todos parecem querer bater.
Mesmo dentro da Força Aérea dos EUA (USAF) e Marinha (US Navy), contou sempre com enorme oposição e cepticismo, agravados pelas notícias de que em combate ar-ar a curta distância, um F-16 mesmo com depósitos externos, facilmente conseguia “abater” um F-35.
Ainda assim, contra (quase) tudo e (quase) todos, dois marcos importantes seriam atingidos em 2015 e 2016, com a declaração da Capacidade Operacional Inicial dos modelos F-35B e F-35A, respectivamente. O primeiro destacamento operacional internacional do F-35B está actualmente a decorrer no Japão, aguardando-se para breve, o mesmo venha a suceder na Europa com o A. O modelo C da Marinha, continua a ser o mais tardio, pesem embora os testes realizados no mar, descritos como excelentes.
Modelo F-35B (esquerda) e F-35A (direita) |
Modelos A e B, tiveram inclusivamente já a prova de fogo mais parecida com condições de combate real, no famoso exercício Red Flag realizado no deserto do Nevada, EUA. Como um grito de revolta contra os críticos, as reacções não se fizeram esperar: segundo relatos das primeira missões “no ambiente mais difícil de sempre” de ameaças aéreas e terrestres, criado para testar as capacidades do F-35 em combate, estes neutralizaram todas as ameaças para chegar ao alvo, colocaram o armamento com precisão e liquidaram todas as ameaças no regresso. Um cenário definido como “ de sobrevivência impossível para caças de 4ª Geração”.
As estatísticas reveladas foram demolidoras. Razão de vitórias de 15 para 1 (a favor do F-35) em combates aéreos. Taxas de execução de missão “nunca ouvidas” e percentagem de disponibilidade para missões superior a 92%.
Os pilotos do F-35, com que a SiriusTake-Off teve oportunidade de conversar no RIAT em 2016, falam com genuíno entusiasmo acerca do seu novo avião. Quase todos com uma carreira recheada de largas horas de voo em caças de topo de 4ª Geração, como F-15, F-16 ou Typhoon, são invariáveis em defender a supremacia do F-35. A tecnologia stealth (invisibilidade ao radar) será porventura a que mais excitação causa, muito embora esteja longe de ser uma novidade. Mas as vantagens comprovadas no combate (simulado) contra aeronaves de 4ª Geração estavam bem patentes no sorriso com que descreviam as façanhas que conseguem agora executar. Quanto a isso é ponto assente: caças de 4ª Geração são invariavelmente “pulverizados”, sem sequer saberem como nem porquê, desde que não entrem no campo visual. É uma luta desigual. As vantagens do stealth tinham já sido comprovadas por F-117 na missão de ataque ao solo e pelo F-22 na superioridade aérea. E o F-35 junta os dois numa mesma plataforma.
O F-35 Lighting II e o "irmão mais velho" F-22 Raptor |
O F-35 não é contudo apenas um caça invisível aos radares e oferece inúmeros avanços, mesmo em relação ao F-22, como sejam a visão total (mesmo através do avião), proporcionada por uma série de câmaras colocadas em toda a volta do avião, que apresentam uma imagem de 360º nos dois eixos, no visor do capacete do piloto.
Debaixo do nariz do F-35 está o sistema de designação de alvos interno (EOTS) |
Possui um designador de alvos electro-óptico interno (uma das limitações apontadas ao F-22) e é por outro lado, o primeiro caça moderno a não possuir Head Up Display- HUD (a vulgar mira à frente do piloto), agora totalmente integrada no capacete.
No cockpit do F-35, além da simplicidade dos instrumentos, destaca-se a ausência do HUD |
Mas o maior avanço introduzido pelo F-35, será porventura a grande capacidade de troca de informação e dados, com outros meios aéreos e de superfície, implementando o conceito de ”guerra em rede”, que permite aos pilotos ter uma consciência situacional do campo de batalha descrita como “sem precedentes”. Operações como utilizar os equipamentos de outras plataformas para extrair informação do teatro de operações, ou efectuar largada de armamento a partir de outra aeronave ou meio de superfície, são alguns dos exemplos revelados. Novas tácticas, apoiadas nestas capacidades, só agora estão em desenvolvimento, naquele que é um universo com novas dimensões.
O(s) calcanhar(es) de Aquiles
O poderoso motor P&W F135 constitui uma enorme assinatura térmica do F-35 |
Apesar de ser descrito como o caça de “supremacia aérea para os próximos 50 anos”, é preciso notar que grande parte dessa “supremacia” está intimamente ligada à sua invisibilidade-radar. China, Rússia e mesmo fabricantes europeus, alegam ter já sistemas de detecção de aeronaves furtivas. Certo é que, entre detectar e conseguir guiar um míssil com precisão até abater um avião stealth, ainda vai alguma distância, mas o conceito de “guerra em rede” também é válido para sistemas defensivos . Os radares passivos por exemplo, conseguem rastrear e localizar aeronaves, através de inúmeros sinais recolhidos por meras antenas de rádio ou TV. Será eventualmente uma questão de tempo até o stealth ficar obsoleto.
Outra ameaça ainda, advém de outros caças de 5ª Geração. Rússia e China têm-nos em desenvolvimento. O F-35 não está ao alcance de caças de 4ª Geração. Mas e quando tiver de enfrentar outro ao seu nível? Daquilo que nos é possível extrapolar, coloca o resultado de um combate aéreo nestas condições, de novo na esfera das capacidades aerodinâmicas dos aparelhos. E nisso já sabemos que o F-35 não impressiona. Temos ainda os rastreadores de infravermelhos como ajuda no combate aéreo, mas nesse aspecto russos e europeus estão bem à frente de americanos (que têm desprezado esta tecnologia). E o F-35 tem por outro lado uma enorme assinatura térmica, gerada pelo poderoso motor P&W F135, neste caso um calcanhar de Aquiles.
Por outro lado, situações há em que é impossível evitar curtas distâncias de outras aeronaves, como nas intercepções visuais, ficando nesse caso também ao alcance de caças de 4ª Geração.
A dúvida
General Herber Carlisle antigo piloto de F-15 e actual Comandante do Air Combat Command da USAF tem sido um dos maiores defensores do F-35 |
Problemas técnicos próprios de novos conceitos e novas tecnologias, são normais e, ainda que levantem polémica na época que ocorrem, eventualmente compensarão a longo prazo. São as chamadas “dores de crescimento”, que é necessário ultrapassar.
O F-35 contudo, sacrificou muitas das capacidades aerodinâmicas, carga de armamento e combustível, em favor da tecnologia stealth. É lícito perguntar: se essa tecnologia se tornar obsoleta, será o F-35 ainda um bom caça? Ou será mais um F-111 ou F-4, que à semelhança do F-35 pretendiam ser bons em tudo e acabaram sem ser os melhores em nada?
Poderá alegar-se que o F-35, à semelhança de qualquer outra arma, também tem um prazo de validade, até se tornar obsoleto.
O reabastecimento em voo é uma necessidade premente na operação do F-35 dado o "apetite" devorador do seu motor |
A dúvida que fica neste caso, é se valeu a pena o maior investimento de sempre num programa de armamento, em relação às vantagens que proporcionou.
O tempo e a História o dirão.
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