Artigo publicado na revista Sirius em Agosto de 2016
Março de 2015. O Capitão Coelho da Silva, Piloto-Aviador da Força Aérea Portuguesa (FAP) descola com destino ao Brasil. Desta vez não vai aos comandos de nenhum dos Alpha Jet (AJet) ou F-16 que voou durante os últimos anos. O avião é um Airbus A330 da TAP e ele vai como passageiro. Pela frente, um destacamento de um ano na Base Aérea de Natal, onde irá qualificar-se a voar no A-29 Super Tucano, da Força Aérea Brasileira, em missões operacionais e como Instrutor.
Com o Cap. Coelho da Silva, foi igualmente colocado em Natal outro piloto da FAP, recentemente brevetado na Academia da Força Aérea Brasileira (ver Sirius nº183 – Maio de 2016),a fim de realizar a fase seguinte da sua formação, isto é, o Curso de Especialização Operacional da Aviação de Caça - CEOCA.
A Força Aérea Portuguesa vem mantendo programas de cooperação com diversos países, nomeadamente com EUA, Bélgica, Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e Brasil, que envolvem intercâmbio de pilotos e/ou técnicos. Estes programas têm interesse a vários níveis, permitindo por exemplo saber que padrão de procedimentos esperar, no caso de operações combinadas no futuro. Permitem igualmente contrastar estes padrões de procedimentos, com os da própria Instituição nacional, e desse modo aferir se a sua adopção ou adaptação permitem trazer benefícios de qualquer ordem, ao que são as necessidades nacionais.
Este programa concretamente, vem numa altura em que está já no horizonte, o fim de vida da frota AJet (ver Sirius nº185 – Julho de 2016) marcado o mais tardar para Fevereiro de 2018. Estão em estudo pelo Ministério da Defesa - com assessoria da FAP - as alternativas a tomar, para o futuro da formação de pilotos de caça portugueses. Em cima da mesa, várias possibilidades em aberto, que podem passar pela aquisição/leasing de aviões turbo-hélice de última geração, aviões a reação, ou pela contratação da formação dos pilotos de caça a terceiros. Portanto, a oportunidade de avaliar uma aeronave que cumpre a mesma missão que o AJet, tanto por um instrutor, como por um formando, bem como do curso que está a ser ministrado nessa aeronave, seria uma mais-valia a adicionar às supracitadas. Isso mesmo nos confirmou o Cap. C. da Silva, com quem tivemos a oportunidade de conversar, nos últimos dias do seu destacamento em Natal: “fui colocado com uma dupla tarefa: por um lado avaliar o curso [CEOCA] relativamente ao que são as necessidades da FAP e por outro lado fazer a avaliação da aeronave A-29 poder realizar a missão que atualmente é feita na Esquadra 103 pelo AJet”.
A aeronave
A diferença mais óbvia, relativamente ao AJet, é logicamente a motorização, que implica diferenças de performance, como nos explicou o Cap. C. da Silva: “a aeronave não consegue suster as cargas G durante tanto tempo, as velocidades são inferiores, o envelope de voo [limites de operação] é inferior e o piloto não é submetido a uma exigência fisiológica tão grande”. Na sua opinião, os trunfos da nova geração de aviões turbo-hélice de treino são outros: “os equipamentos e a interface entre o piloto e a aeronave (PVI), assemelham-se muito aos aviões de linha da frente, como o F-16”. Trocar a formação num avião a reação mais antigo, por um turbo-hélice, implica por isso uma mudança de filosofia: “quando chegar finalmente ao avião a reação, o piloto irá ter que fazer uma adaptação à velocidade e à exigência física, mas em termos de manuseamento dos equipamentos do avião e gestão da informação, onde é necessário investir mais tempo, o piloto vai estar muito próximo, do que vai necessitar num avião de linha da frente”. Ou seja, antes o piloto em adaptação aprendia a voar uma aeronave a reação no curso de caça, e tinha que se adaptar aos aviónicos avançados nas esquadras operacionais. Com esta nova filosofia, adapta-se aos aviónicos modernos no curso de caça e a voar um avião a reação na esquadra operacional. Este último método, eventualmente, fará mais sentido atualmente, uma vez que os aviões estão cada vez mais fáceis de pilotar, em virtude dos sistemas modernos, que ajudam muito nos comandos e operações básicas de voo. A grande dificuldade, e o que consome mais tempo de formação, são a operação e gestão dos equipamentos e informação.
A mesma opinião é corroborada pelo Major Lordelo, antigo piloto de Mirage 2000 na FAB e atualmente colocado no Esquadrão 2º/5º - Joker em Natal, onde fez parte do grupo de trabalho que realizou a transição do AT-26 Xavante (a reação) para o A-29 Super Tucano: “foi necessário adaptar distâncias de formação, os exercícios em voo, a carga de estudo [o A-29 é muito mais exigente], o treino em simulador e o debriefing, que passaram a ser muito mais completos”. Na sua opinião contudo, as vantagens da nova aeronave são enormes e as desvantagens devidas à performance podem ser mitigadas, “preparando as missões de treino, de modo a limitar o tempo que o aluno tem para realizar as tarefas, como se este estivesse a voar uma aeronave mais rápida”. Assim, e apenas encurtando a área de treino, as distâncias percorridas no A-29 serão mais pequenas [que num jato], mas o tempo de reação que o aluno tem e o tempo para realizar as tarefas, será o mesmo que se fosse um avião a jato. A adicionar às vantagens dos modernos turbo-hélice, e não despiciendo, estão os custos que é possível baixar, quer durante o curso de piloto de caça, quer nas horas que será possível cortar ao curso de conversão na linha da frente.
O curso de piloto de caça no Brasil
O CEOCA tem várias diferenças notórias, relativamente ao homólogo da FAP, o Curso Complementar de Pilotagem de Aviões de Caça, ministrado na Esquadra 103 em Beja. A maioria deve-se a diferenças de fundo nas estruturas das próprias Forças Aéreas dos dois países, que por sua vez são fruto de necessidades e realidades geopolíticas profundamente distintas. Muitas diferenças estavam já patentes nos cursos básicos de pilotagem que retratámos na Sirius nº183, sendo o curso de aviões de caça outro espelho da mesma diferença de conceito entre as duas Força Aéreas.
Por exemplo, no Brasil, os pilotos que completarem o curso continuarão em A-29 nas esquadras operacionais, nunca passando imediatamente para os aviões a reação, nem para instrutores de voo. Já em Portugal, os pilotos em adaptação que realizam atualmente no AJet o curso de piloto de caça, podem passar diretamente para as esquadras operacionais que voam o F-16, ou ficar como instrutores no AJet ou no Epsilon. Isto deve-se a uma filosofia de formação diferente, uma vez que no Brasil se prolongam algumas das fases de instrução para os Esquadrões operacionais, enquanto que em Portugal estão incorporadas no curso propriamente dito. As comunicações no Brasil são por norma em português, mesmo as táticas, enquanto que em Portugal, membro fundador da NATO, são em inglês.
Balanço
As diferenças de conceito, fruto de estruturas distintas nos dois países, causam inconvenientes assinaláveis à formação de pilotos de caça na sua congénere. Ainda assim, a presença do Cap. C. da Silva como instrutor em Natal, permitiu a partilha de informação, que poderá levar no futuro a uma maior aproximação entre os dois países, em questões táticas e procedimentos padrão.
Relativamente à aeronave, entre todas as atualizações que o A-29 proporciona (tal como outras aeronaves da mesma categoria e geração), a capacidade de simular o combate além de alcance visual, é uma mais-valia muito importante em relação ao AJet. As diferenças de performance não são importantes na fase de aprendizagem das manobras básicas de combate, já que o que se pretende é que o aluno aprenda os conceitos, que serão treinados contra uma aeronave com performances semelhantes. Além de ser uma plataforma consideravelmente mais barata de operar.
Estando ainda todas as variáveis em aberto relativamente a uma substituição do AJet, a suceder, implicará inevitavelmente uma readaptação do syllabus [programa] do curso, que passará por potenciar as características da nova aeronave, na sua semelhança de sistemas com o F-16. Qualquer que esta seja, deve trazer mais capacidades do que as que existem hoje em dia e se possível fazer poupar horas nas esquadras operacionais, cujas aeronaves são bastante mais dispendiosas e necessárias para outros fins que não a formação.
Nesta fase de expansão do próprio Super Tucano, este negócio a concretizar-se poderá trazer muito mais valias a Portugal, quer pelo facto de ser uma porta de entrada para operadores europeus, saindo daí, quem sabe, uma alavancagem à industria aérea presente em Portugal através da OGMA ou Embraer em Évora, pois aviões Tucano na Europa o mais certo seria "poisarem" em Portugal para as revisões e reparações. Por outro lado, a própria marca poderá transferir a produção total ou parcial para a Europa, e Portugal já teve e voltou a ter essa capacidade. Mas isso somos nós a pensar alto, não?
ResponderEliminarExcelente artigo ! Sem contar com uma capacidade Cas / coin a um baixo custo !
ResponderEliminarHoje o piloto militar precisa ser mais um gerenciador de sistemas do que um gerenciador de performance do caça.
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