O LYNX DA MARINHA PORTUGUESA NO COMBATE À PIRATARIA

Texto: Paulo Mata
Artigo publicado nas revistas Air Forces Monthly de Jun. 2012Avion Revue de Jul. 2012 e Revista Força Aérea de Out. 2012


O renascer da pirataria

A pirataria como a conhecemos dos livros de história extinguiu-se praticamente durante o século XIX. O advento dos navios a vapor e um controlo efectivo das costas em praticamente todo o mundo, levaria a que por quase dois séculos caísse no esquecimento, ao ponto de deixar de estar prevista na legislação como actividade ilícita, em quase todos os países.
No final do Século XX no entanto, novas circunstâncias  político-económicas e de ordem técnica, proporcionaram o renascimento desta actividade em vários pontos do globo. Já no século XXI,  o Golfo de Áden, pela instabilidade política e pobreza dos países da região e pelo enorme tráfego de marinha mercante que possui numa área oceânica relativamente próxima de terra, tornou-se um dos pontos quentes de actuação de piratas.
As proporções que tomariam as acções de pirataria nesta zona, aliados à importância estratégica deste corredor de acesso ao Canal de Suez, vital para o comércio mundial, obrigaram a comunidade internacional a tomar medidas para proteger interesses económicos e humanos na região.

No segundo destacamento da Marinha Portuguesa o 19201 recebeu uma pintura com a cruz de Cristo em baixa visibilidade

Modus Operandi dos piratas

Nesta região do globo, a tipologia de actuação dos piratas é bastante simples: a partir de terra deslocam-se  em rápidas lanchas (skiffs) e através de simples escadas de encosto com ganchos para acoplagem que nelas transportam, abordam os navios com que se cruzam, subjugando as tripulações pelo uso das armas. Quando em alto mar, as skiffs podem ser lançadas a partir de navios-mãe (dhows), que possuindo radar, guiam as skiffs para os alvos a atacar. Estes ataques ocorrem por norma ao nascer e ao pôr do sol.

O helicóptero é essencial para a execução da missão das forças de superfície

Empenhamento português

Desde que Vasco da Gama chegou ao Oceano Índico no final do século XV, que os navegadores portugueses se têm confrontado inúmeras vezes com piratas ao longo da história. Passados cinco séculos, Vasco da Gama continua no Índico a combater a pirataria, mas é presentemente uma fragata da Marinha portuguesa. A maior novidade, é que os confrontos com os piratas se fazem agora também a partir dos céus.
Na realidade, um navio de guerra sem um helicóptero é de pouca utilidade no teatro de operações do Golfo de Áden.

O Lynx Mk.95 a bordo do NRP Álvares Cabral no Oceano Índico

O estado português, através das suas Forças Armadas, tem estado empenhado em várias operações internacionais de combate à pirataria desde 2009, tanto integradas em forças NATO (Operação Ocean Shield) como da UE (Operação Atalanta), com destacamentos de aeronaves P-3 (Força Aérea) e de helicópteros Super Lynx Mk95 (Marinha) embarcados em fragatas. A Marinha portuguesa comandou já por duas vezes estas operações, que além de visarem o combate à pirataria, têm também objectivos humanitários, permitindo o abastecimento das populações locais com bens de primeira necessidade, a partir de países vizinhos.

Operações anti-pirataria

Foi criado um corredor de passagem recomendada no Golfo de Áden (International Recommended Traffic Corridor - IRTC), para os navios da marinha mercante que circulam na região, que está dividido em várias "caixas" de 20x20NM, ficando cada 3 a 4 "caixas" adjacentes sob a protecção de um navio de guerra. Os helicópteros que operam a partir desses navios, efectuam normalmente duas missões de rotina diárias, uma ao amanhecer e outra ao entardecer, de acordo com a actuação prevalecente dos piratas já anteriormente descrita, em busca de potenciais embarcações hostis. A qualquer momento do dia no entanto, pode ser efectuada nova missão, caso seja pedido auxílio por algum navio em trânsito. Em caso de identificação positiva de embarcações de piratas (normalmente denunciadas pela presença das escadas de abordagem, armas, motores anormalmente potentes ou da própria indumentária dos ocupantes diferente dos pescadores) o helicóptero tem como missão interromper  a acção de abordagem em curso, se necessário com disparo de tiros de aviso através do heli-canhão, até à chegada dos meios de superfície que efectuarão o desarmamento e identificação dos piratas. Qualquer meio passível de ser usado na pirataria será também inutilizado ou confiscado: armas, escadas e motores de alta potência. Os alegados piratas são então libertados com os meios mínimos para poderem regressar a terra.
Caso a intervenção do helicóptero não consiga impedir a abordagem dos piratas a algum navio, a missão é regra geral interrompida nesse momento, de modo a salvaguardar a integridade de possíveis reféns.


O helicóptero é por isso essencial, uma vez que sem ele não é possível actuar com eficácia, dada a grande área de oceano atribuída a cada vaso de guerra, dentro da qual não seria possível a um meio de superfície actuar em tempo real. O helicóptero é adicionalmente utilizado em reconhecimentos fotográficos oblíquos, complementando os meios de asa fixa, que fazem o reconhecimento fotográfico na vertical, permitindo a observação da costa a partir de baixas altitudes e de um ângulo diferente, com confirmação visual de embarcações ou actividades suspeitas, mais uma vez em tempo real.
Este registo fotográfico é feito através de câmaras manuais pelo operador de sistemas ou pelo fuzileiro a bordo helicóptero. A tripulação de um Super Lynx começou por ser de 4 elementos: piloto e co-piloto, operador de sistemas e recuperador-salvador. Posteriormente adicionou-se um quinto elemento - fuzileiro - que além de efectuar o registo fotográfico quando necessário, garantirá a segurança do grupo, na eventualidade de aterragem ou amaragem em zona hostil. A metralhadora Herstal M3M, quando em utilização, é normalmente manobrada pelo operador de sistemas.

A metralhadora Herstal M3M colocada a bombordo no Lynx ao sobrevoar o NRP Vasco da Gama

O Super Lynx Mk95 em destacamento

A utilização do Super Lynx Mk95 pela marinha de guerra portuguesa nas acções descritas anteriormente, tem sido extremamente satisfatória. Apesar de ser um helicóptero concebido para acções anti-submarinas no Atlântico-Norte, o nível de prontidão conseguido rondou os 95%, não sendo maior, apenas devido a atrasos na cadeia logística de abastecimento de sobressalentes, e não ao helicóptero em si. As maiores dificuldades encontradas na sua operação, foram de facto as relacionadas com o clima, que quer por não ter ar-condicionado obrigava as tripulações a operar em temperaturas muito elevadas e extenuantes, quer pelas próprias temperaturas externas estarem muitas vezes perto dos limites de utilização do aparelho. Em tudo o mais, tem-se revelado adequado em termos de performances, raio de acção e alcance, para as áreas e missões atribuídas. Para o operar seguem embarcados dois pilotos, um operador de sistemas e dez elementos da equipa de manutenção.

O Super Lynx Mk.95 do destacamento "Bacardi" em escala num porto da região do Golfo de Áden

Balanço

A Marinha Portuguesa adquiriu conhecimentos valiosos deste tipo de missão durante as missões em que esteve envolvida e recebeu o reconhecimento internacional pelos valiosos serviços prestados. Entre 2009 e 2011 foram efectuadas 4 destacamentos, em que foram efetuadas 364 saídas de helicóptero, num total de 310 horas de voo, 24  inspecções de embarcações suspeitas e 7 disrupções de ataques iminentes, num total de 420 dias em missão.

A guarnição da fragata NRP Vasco da Gama no destacamento de 2011 no Índico

 

O futuro das acções anti-pirataria

O Lynx da EHM com uma fragata alemã em fundo, um dos países também empenhados na missão

O sentimento de impunidade dos piratas, motivado por quase sempre serem libertados, apenas despojados dos meios de ataque, em muito contribui para que a presença de tantos e tão poderosos vasos de guerra no Golfo de Áden e costa da Somália, não tenha qualquer efeito dissuasor, continuando os ataques a suceder-se.
Qualquer solução para o problema deverá obrigatoriamente passar pela criação concertada de legislação e eventualmente de um tribunal internacional que permita a punição das acções de pirataria.
No golfo de Áden em concreto, a estabilização política, restabelecimento da ordem e da economia local, será também um imperativo, para que os nativos tenham algo mais de que viver do que do saque ou as areias do deserto.
Para já, as forças internacionais continuarão a policiar o tráfego marítimo na região, dentro dos moldes descritos e a fragata NRP Corte Real reintegrará a Operação Atalanta a partir de 12 de Março de 2012, transportando tal como antes um Super Lynx a bordo.

O treino diário na base

Treino de carga com guincho no Montijo

Quando na base terrestre situada no Montijo, as acções da Esquadrilha de Helicópteros da Marinha (EHM) centram-se como qualquer unidade operacional, na manutenção das qualificações e treino operacional dos seus elementos. Restantes missões incluem apoio a unidades de fuzileiros, apoio a unidades externas, missões de observação e intercepção de embarcações e inserção vertical de forças em navios. Integram a EHM um total de 14 pilotos, 80 elementos de manutenção e 30 militares com funções na área logística e administrativa.
A Marinha Portuguesa possui um total de cinco unidades Super Lynx Mk95, adquiridas em 1993, destacadas sempre que necessário nas fragatas da classe Vasco da Gama e Bartolomeu Dias.






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