A RENOVAÇÃO DA AVIAÇÃO DE COMBATE PORTUGUESA - Depois da Guerra do Ultramar (1974-1984)

Texto: José Matos
Artigo publicado na revista Mais Alto de Mai/Jun 2013 e na revista Aeronautica & Difesa (Itália) de Dez. 2013

Fiat G.91 R/3  da FAP

Depois do fim da Guerra do Ultramar, Portugal precisava de renovar toda a aviação de combate, ultrapassada para o teatro de operações europeu. Aliado dos EUA, Portugal contava, essencialmente, com o apoio norte-americano para modernizar a sua força de combate aéreo. O caça preferido da Força Aérea era o Northrop F-5 Tiger II, mas por razões financeiras, a escolha recairia sobre o Vought A-7 Corsair II. O presente artigo revela os meandros desta escolha e o esforço que Portugal fez para actualizar a vertente militar da sua aviação.   


F-86F em Monte Real na década de 70       Foto: Arquivo BA5

Com o fim da guerra em África, tornou-se evidente que a Força Aérea Portuguesa (FAP) precisava urgentemente de ser renovada, pois as aeronaves de que dispunha estavam desgastadas não só pelo esforço da guerra como eram obsoletas no contexto europeu. Começando pela aviação de caça há muito tempo que a FAP precisava de um caça moderno capaz de assegurar as necessidades de defesa aérea do país, entregues na altura ao velho F-86F Sabre, da Esquadra 201 dos Falcões, em Monte Real. A falha já era evidente no tempo da guerra colonial, mas o esforço de guerra em África não tinha gerado qualquer solução de substituição. Poucos F-86 estavam operacionais (em 1975 eram referenciados 12 aparelhos em condições de voo)(1)  e os planos da Força Aérea apresentados a nível da NATO apontavam para a sua substituição até finais de 1976 por “16 aviões do tipo caça-bombardeiro de modelo não especificado”. (2)
Além do Sabre, a aviação de combate portuguesa contava também com o Fiat G.91 R/4 comprado na Alemanha para ser usado em África em operações COIN (contra-insurreição) e que estava de volta a Portugal com o fim da guerra. Embora tivesse sido muito útil em operações de contra-guerrilha, o Fiat era também um avião completamente ultrapassado para o teatro de operações europeu, que precisava de ser substituído rapidamente. Pouco antes da revolução de Abril de 1974, que levou à mudança do regime, o governo anterior tinha tentado adquirir novos aviões de combate em França tendo realizado vários contactos para a compra de aviões Mirage. O famoso avião de combate francês tinha sido equacionado seriamente pela Força Aérea e a venda do avião chegou mesmo a ser autorizada pelo primeiro-ministro francês Pierre Messmer (3), mas a proposta francesa não agradava ao Governo português, por causa das restrições que a França impunha quanto ao estacionamento dos aviões na Guiné e em Cabo Verde. Além da hipótese francesa, tinha surgido também uma oferta de uma empresa alemã para a compra de aviões F-5E, mas devido ao embargo de armas que pendia contra a Portugal, a proposta seria retirada e, em sua substituição, apresentada a solução de comprar aviões F-104 provavelmente alemães. Estava também em estudo a hipótese de comprar aviões Fiat G.91 Y em Itália para reforçar o dispositivo aéreo em África. O interesse nesta versão do Fiat era expressivo em 1974, depois da Força Aérea constatar que era impossível adquirir a versão R/3 de origem alemã. Os planos da Força Aérea apontavam para a compra de 18 aviões G.91Y com sobressalentes, motores de reserva e equipamento auxiliar por 58,14 milhões de dólares ou 1,541 milhões de contos ao câmbio da época. Os aviões seriam todos entregues até finais de 1975 com o primeiro avião a ser entregue em Fevereiro.(4) Em Maio de 1974 tem lugar em Lisboa a primeira reunião com delegados da Aeritalia para pedir elementos técnicos sobre o avião. (5) Um mês depois decorre uma segunda reunião para se esboçar o programa de aquisição, mas com a guerra de África prestes a terminar a compra é cancelada pelo Governo português. O novo regime político surgido da revolução de Abril de 74 não tinha como prioridade a modernização das forças armadas, nem recursos económicos para tal e estava especialmente interessado em sair de África o mais rápido possível. Sendo assim, a FAP contava essencialmente com o apoio norte-americano para modernizar a sua força de combate, pois só a partir das contrapartidas da utilização da base aérea das Lajes, nos Açores, seria possível obter verbas para tais planos.

O esquema de pintura planeado para os F-5 que Portugal não chegaria a adquirir     Ilustração: Paulo Alegria

Os planos da Força Aérea

Os primeiros contactos a este nível são realizados logo em Junho de 1974, entre o então Chefe de Estado-Maior da Força Aérea, general Diogo Neto e o coronel Wilkerson, chefe da secção do Military Assistance Advisory Group (MAAG) sedeado na embaixada americana, em Lisboa. Na manhã do dia 5 de Junho, Diogo Neto recebe no seu gabinete Wilkerson e dá-lhe conta dos planos que tinha para a FAP. A nível da aviação de combate, o objectivo da Força Aérea era ter duas esquadras, uma equipada com o F-5E Tiger II e outra com o F-4E Phantom. Além disso, desejava também o Northrop T-38A Talon para substituir o T-33 na função de treinamento e o T-41 Mescalero para substituir o velho Chipmunk. Surpreendido com a magnitude do pedido, Wilkerson promete fazer chegar os planos portugueses à Administração americana, lembrando, no entanto, que o embargo de armas continuava nessa altura em vigor contra Portugal e que seria muito difícil tais intenções de reequipamento serem satisfeitas pelos americanos. Na resposta, Diogo Neto salienta que os aviões a adquirir são apenas para uso no continente europeu e que a Força Aérea pretende retirar do Ultramar de forma faseada. É também abordada a questão de como iria Portugal pagar tais aviões, um problema que na visão do general Diogo Neto devia ser resolvido no âmbito das negociações do acordo da base das Lajes, algo que ultrapassava obviamente o âmbito do MAAG, o que é dito claramente pelo coronel Wilkerson. (6) No comentário que faz depois ao Departamento de Estado acerca desta reunião, a embaixada americana em Lisboa considera genuínas as preocupações portuguesas em modernizar a Força Aérea, estranha, no entanto, a ausência de referência a aviões de luta anti-submarina como o P-3 Orion, que já tinham sido pedidos pelas autoridades portuguesas a Washington, ainda antes do 25 de Abril. (7) Apesar do comentário de Wilkerson, a verdade é que o P-3 também fazia parte dos planos de modernização da FAP, pois o próprio Diogo Neto o tinha incluído numa lista de material a incluir num futuro acordo de assistência com os EUA. (8) O documento datado de 3 de Junho previa a aquisição durante um período de 4 anos de 165 aeronaves para a Força Aérea dos mais variados tipos, como se pode ver pelo quadro, que consta do referido memorando. 


Pouco tempo depois, a 30 de Julho, decorre uma reunião no Ministério dos Negócios Estrangeiros sobre as necessidades militares a incluir num acordo sobre a base dos Açores, e, no dia seguinte, o brigadeiro João Pinheiro, adjunto do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA), faz chegar a este ministério uma lista do material a pedir no âmbito de um futuro acordo.(9) No caso da Força Aérea são pedidos 16 F-5E, com sobressalentes e material de apoio, além de 16 aviões T-38A, 20 T-41A e 12 helicópteros de combate AH-1Q, igualmente com sobressalentes e material de apoio. Tudo isto por um valor estimado de 4,3 milhões de contos (165 milhões de dólares). Diogo Neto apresentava assim um plano mais realista para a modernização da Força Aérea, pois era óbvio que o número de aviões previsto no documento de Junho excedia claramente qualquer apoio que os EUA estivessem dispostos a prestar a Portugal.

Os primeiros T-38 recebidos usaram os números de cauda americanos por algum tempo    Foto: Arquivo BA5

A chegada de novos Fiats

Além das contrapartidas da base das Lajes, Portugal contava também com a ajuda da República Federal da Alemanha (RFA), no âmbito dos acordos da base de Beja, usada pela Luftwaffe. Em Novembro de 1975 é negociado em Bona, um protocolo para o fornecimento a Portugal de 6 aviões Fiat G.91 T/3 (bilugar de treino) com sobressalentes, equipamento de terra e de ensaio e respectiva documentação(10) e também 12 jactos monolugares da versão R/3, provenientes da LeKG 42, em Pferdsfeld, que a Luftwaffe estava a deixar de usar. É também autorizada a formação de pessoal na Alemanha. A 12 de Dezembro, o jornal alemão Die Welt, publica uma notícia sobre o assunto referindo que os Fiat bilugares foram oferecidos pelo Governo alemão depois de “um pedido de auxílio urgente do Governo português.” O jornal cita o próprio ministro alemão da Defesa, Georg Leber, que considera que a Força Aérea tem sido um factor de estabilidade em Portugal mantendo-se distante das tendências de esquerda extremistas, que grassavam no país. Ainda segundo este jornal, Portugal pretendia os aviões emprestados, mas Bona optou pela oferta. (11) Entretanto, o número de aviões monolugares é depois aumentado para 14.

O Fiat G.91 R/3 com a pintura alemã com que chegaram a Portugal
Os bilugares chegam a Portugal em Março de 1976, enquanto que os monolugares chegam a 12 de Julho desse ano. Mas depois desta última entrega, a Força Aérea constata que o estado de manutenção dos R/3 está longe de satisfazer as promessas acordadas com os alemães. Dos 14 aviões fornecidos, 9 deles não estavam em condições de operação por falta da revisão IRAN, quanto aos restantes 5 podiam voar sem problemas, mas só até Janeiro de 1977. A situação dos aviões deixa, obviamente, insatisfeita a Força Aérea, o que leva o Subchefe do Estado-Maior da Força Aérea (Logística e Administração), o brigadeiro Lemos Ferreira, a queixar-se junto da Delegação Militar Alemã em Portugal (DMAP) referindo que a FAP não tinha qualquer interesse em receber “aeronaves não utilizáveis” e que se não for encontrada uma solução adequada para o problema, “dentro de pouco tempo a questão será do conhecimento público, o que certamente acarretará reacções negativas contrárias à NATO e ao Ocidente em geral, para além de todas as especulações de ordem política que certamente lhe estarão associadas”.(12)  O problema será depois ultrapassado com a concordância da Alemanha para que a revisão IRAN se faça na Dornier (13). Os aviões serão depois modernizados nas OGMA, especialmente nos sistemas de comunicação, identificação, navegação e armamento recebendo um série de esquipamento que não constava nas versões alemãs. Mas a chegada dos novos Fiat, não resolve a carência de aviões modernos, o que afecta seriamente a Força Aérea, no âmbito operacional.

O último esquema de pintura usado pelos G.91 portugueses

Preocupações na NATO

A situação portuguesa é seguida com preocupação na NATO. Podemos ver isso num telegrama secreto de 21 de Novembro de 1975 em que a delegação americana na NATO manifesta várias incertezas quanto à capacidade portuguesa de cumprir os seus compromissos junto daquela organização.(14)  O documento refere que Portugal tem a intenção de substituir o velho Sabre por um avião como F-4E Phantom ou em alternativa o F-5E Tiger II, mas as autoridades americanas consideram que o A-7D Corsair ou a A-4N Skyhawk seriam mais aconselháveis para funções de ataque marítimo do que os primeiros. No contexto europeu da época, Portugal era um país de retaguarda e, em caso de conflito com os países de Leste, teria de receber reforços americanos, tanto por via marítima, como por via aérea. Nesse papel teria como missão principal garantir abertas as linhas de suprimentos pelo Atlântico actuando contra navios de superfície, sendo a Força Aérea um vector importante nessa função. Neste sentido, Portugal precisaria mais de um avião com capacidade de ataque marítimo, sendo o Corsair ou Skyhawk as escolhas mais acertadas, na opinião americana. 
Mesmo sem saber quanto vai receber de ajuda externa, a Força Aérea vai elaborando planos para substituir o F-86 e a opção com maior viabilidade de concretização parece ser o pequeno “tigre” da Northrop que podia ser fornecido pelo Pentágono ao abrigo do Military Assistance Program (MAP) e do Foreign Military Sales (FMS). Conhecido como o “caça dos pobres”, o F-5E era um avião de relativamente fácil manutenção e operação, tendo capacidade para levar uma gama interessante de armamento. O caça da Northrop era um aparelho vocacionado para operações ar-ar, mas também tinha alguma capacidade de ataque ao solo, embora fosse um avião pouco adequado para operações em ambiente marítimo, pois não tinha de origem qualquer sistema de navegação inercial (INS) capaz de actuar num ambiente sem pontos de referência, como é o caso do oceano. A versão anterior (F-5A) era usada por vários países europeus e tinha sido construída sob licença na Holanda e na Espanha. Já a versão E, na Europa, tinha sido apenas encomendada pela Suíça, que também produziu o avião sob licença. Mas é evidente na época, o interesse da FAP pelo avião e a chegada de 6 supersónicos de treinamento Northrop T-38A Talon em 1977, emprestados pela USAF para treinamento dos pilotos portugueses, sugeria que Portugal iria mesmo receber o caça da Northrop. O país beneficia, claramente, nesta altura, de um relativo apoio militar americano visando a motivação e consolidação as forças armadas, no âmbito do retorno ao profissionalismo militar e afastamento da política. (15)
Os T-38 são integrados na Esquadra 201, em Monte Real, que ainda usava o Sabre. Este primeiro lote de aparelhos é reforçado por um segundo lote igual em Janeiro de 1980, destinado à mesma função. Nesta altura, os EUA oferecem os aviões a Portugal. Entretanto, a 30 de Junho de 1980, o F-86F faz o seu último voo e a Esquadra 201 é extinta passando os T-38 para a Esquadra 103, em conjunto com os Lockheed T-33, continuando em Monte Real. Com a desactivação do Sabre, Portugal fica sem qualquer interceptor, passando a função de alerta diurno a ser feita pelos T-38, embora sem qualquer tipo de armamento. 
 Em Março desse ano, o Diário da República (I Série – Nº 60 – 12-3-1980) chega a publicar o esquema de pintura do F-5, mas já nessa altura a FAP tinha apostado numa outra opção bem diferente do pequeno caça da Northrop e ainda mais barata: o Vought A-7 Corsair II. A ideia do A-7 é sugerida pelos próprios americanos em alternativa ao F-5.

Vought A-7P Corsair II

A opção pelo A-7

A reunião decisiva para a escolha do programa A-7P ocorreu no dia 15 de Novembro de 1979, no EMFA, entre representantes do Pentágono e da embaixada americana em Lisboa, e o então general CEMFA Lemos Ferreira e vários oficiais superiores da FAP (16). Em cima da mesa estavam três alternativas possíveis. A primeira seria a compra de 20 caças Tiger II pelo preço total de 120 milhões de dólares a serem entregues entre Maio e Outubro de 1981. Para esta opção, Portugal teria de pedir através do FMS, um empréstimo de 48 milhões de dólares para cobrir o valor previsto com juros a cerca de 10%. É que as contrapartidas provenientes do acordo das Lajes ascendiam a 72 milhões de dólares, o que só chegava para 60% do negócio. Mesmo assim, os 120 milhões de dólares não seriam suficientes para comprar grande número de sobressalentes, nem dariam para comprar um sexto C-130 para a esquadra dos Bisontes, algo que a Força Aérea desejava. A segunda opção seria comprar 12 caças F-5 por 79 milhões de dólares, a serem entregues entre Maio e Agosto de 1981. Para isso seria necessário um crédito FMS de 7 milhões de dólares, mas de novo sem nenhuma hipótese de compra de um sexto C-130. Finalmente a terceira a opção seria a compra de 30 aviões A-7A Corsair por 49 milhões de dólares, portanto, dentro do valor do acordo das Lajes e com a possibilidade de compra de um sexto C-130.
Para a Força Aérea, a primeira opção tinha o inconveniente do empréstimo elevado e dos juros inerentes, bem como o prazo de entrega dilatado. A segunda opção tornava inviável a formação de uma esquadra completa. Ora, dentro deste cenário, a terceira opção era a única viável dentro do envelope financeiro disponível e com um número razoável de aviões. O A-7 era um avião de ataque ao solo subsónico vocacionado para operações aéreas ofensivas em ambiente terrestre e marítimo, no entanto, a versão proposta era a versão A, a mais antiga do Corsair e durante a reunião são analisadas as possibilidades de modernização desta célula, tais como a substituição dos motores e dos aviónicos. Conclui-se que o modelo A pode ser reconfigurado com novos aviónicos e motores Pratt and Withney TF30-P-408. O A-7A usava um motor mais velho, o TF30-P-6, que não tinha interesse para a FAP. A instalação do TF30-P-408, não implicava grandes modificações no avião e tinha a vantagem de ser um motor melhor. Quanto aos aviónicos podiam ser os da versão D mais moderna. Desenhava-se assim a opção portuguesa pelo programa A-7P tendo a Força Aérea alocado 64 milhões de dólares para este programa, depois de reservados 10 milhões de dólares para a compra do C-130. Nos meses seguintes, é negociado o contrato V-519, assinado em 5 de Maio de 1980, no âmbito do Military Assistance Program, visando a compra de 20 aviões numa primeira fase. Na versão final, o A-7P ficou com o nível de aviónicos equiparado ao do A-7E, além do motor TF30-P-408. A própria Vought, depois da experiência portuguesa, começou a oferecer no mercado uma versão semelhante do A-7 (Corsair modernizado) usando aparelhos armazenados no Military Aircraft Storage and Disposal Center (MASDC), em Tucson. (17) 

O A-7A n/s 154352 que viria a ser o A-7P n/c 5501

Missão a Dallas

Os trabalhos de preparação e montagem do primeiro lote de aparelhos são realizados pela Vought Corporation, em Dallas, e o primeiro A-7P (5501) voa em 20 de Julho de 1981. Entretanto, a 17 de Agosto, um grupo de pilotos e de técnicos portugueses é enviado para a Vought a fim de fazer a adaptação ao avião. O chefe da missão é o tenente-coronel PILAV Vítor Manuel Silva que juntamente com outros 7 pilotos fará parte do grupo inicial de pilotos formados na Vought. A 12 de Setembro, será enviado para Dallas um segundo grupo de técnicos para também tomar conhecimento do avião. Depois da instrução feita é decidido, no final do ano, transferir os primeiros 9 aviões para Portugal numa longa viagem de Dallas a Monte Real. São analisadas várias hipóteses de percurso sendo escolhido o trajecto Dallas-Bermudas-Açores-Monte Real por ser o mais fácil e mais directo. Para a travessia é mobilizado um C-130 da Esquadra 501 para servir de apoio aos A-7. A 21 de Dezembro, os 9 aviões partem de Dallas pilotados por 6 pilotos portugueses e 3 pilotos da Vought. Fazem escala nas Bermudas, a 21, e nas Lages a 22, chegando finalmente a Monte Real a 24 de Dezembro, depois de alguma espera nas Lajes devido ao mau tempo.(18)  A recepção oficial ao novo avião ocorre no dia 8 de Janeiro de 1982, no Aeródromo de Trânsito nº1, em Lisboa, com a presença do General CEMGFA Melo Egídio, do General CEMFA Lemos Ferreira, além do Ministro da Defesa e do Secretário de Estado e do embaixador americano, em Lisboa, Richard Bloomfield. A escolha pela opção A-7 é bem explicada nas palavras do general Lemos Ferreira (19).
“Na verdade, recuando quase dois anos no tempo por carência de meios financeiros tomou-se então a decisão, que foi tecnicamente compreendida pelas autoridades americanas, de temporariamente relegar para uma menor prioridade o reequipamento respeitante ao avião de combate ar/ar e enveredar pelo programa do A-7P. (…) Portanto, poder-se-á afirmar que o programa A-7P em curso exemplifica um vasto e bem demarcado conjunto de acções relevadoras da determinação política do Governo Português e do Governo Americano em actuarem em prol duma capacidade defensiva acrescida da Aliança Atlântica (…).”
Uma decisão compreendida pelos americanos, como se depreende do discurso do embaixador americano, Richard Bloomfield: “Mas a escolha foi de Portugal. No futuro, tal como no passado, faremos todo o possível para colaborar com o Governo Português na modernização das suas forças militares, de acordo com as prioridades estabelecidas por Portugal. A época que enfrentamos é difícil. Nos últimos anos, todos nós, membros da NATO, aprendemos que as restrições económicas tornam ainda mais difícil para cada um dos nossos países adquirir aquilo que necessita para a defesa.”
Em suma, os recursos atribuídos para o reequipamento da Força Aérea eram escassos e não eram compatíveis com a possibilidade de Portugal ter um avião de ataque ao solo e outro de defesa aérea. O país vinha atravessando um longo período de instabilidade política agravada por dificuldades económicas e sociais, pelo que só as contrapartidas do acordo das Lajes podiam viabilizar a obtenção de aviões de combate para a FAP. Mas mesmo dentro desse envelope as opções não eram muitas. Depois a solução “A-7” enquadrava-se melhor com o tipo de missões que estariam em jogo em caso de conflito com o Pacto de Varsóvia, ou seja, missões de apoio aéreo táctico em ambiente marítimo, de forma a manter as linhas de abastecimento do Atlântico abertas. O A-7P acrescentava assim uma nova capacidade de ataque em ambiente marítimo que a FAP não tinha.

O A-7P em ambiente marítimo     Foto: Arquivo BA5
Desse modo, a cobertura aérea do país e da Península Ibérica ficariam a cargo dos caças espanhóis e também dos F-16 da 401ª Ala de Caças Tácticos da USAF sediada em Torrejón de Ardoz, nos arredores de Madrid. Sendo assim, a escolha pelo A-7 era mais lógica do que o F-5. Uma comparação entre os dois aparelhos mostra isso claramente. 


Embora não fosse uma aeronave supersónica como o Tiger II, o Corsair tinha maior alcance e uma maior carga de armas, além de uma aviónica superior ao caça da Northrop, que lhe permitia desempenhar um maior número de missões.  Não obstante o Tiger II pudesse desempenhar missões de interdição e apoio próximo, não tinha de origem qualquer equipamento de navegação/ataque que lhe permitisse atingir alvos localizados com grande precisão ou actuar em operações tácticas em ambiente marítimo, ao contrário do Corsair que estava bem equipado para esse tipo de missões.(20) Apenas os Tiger II entregues à Arábia Saudita a partir de 1975 receberam como opcional um sistema de navegação por inércia Litton LN-33, que permitia usar alguns tipos de armas de precisão e operar no deserto (21), mas, mesmo assim, o Corsair era superior em precisão e carga de armamento. Além disso, embora com algumas limitações, o A-7 podia também ser usado em missões de defesa aérea, usando os canhões internos e mísseis Sidewinder, o que acabou por acontecer ao serviço dos Falcões da Esquadra 302, formada por 20 aviões.
O Corsair estava assim destinado a ser o principal avião de combate da Força Aérea e, para um país com parcos recursos, dependente de apoios externos, dificilmente se podia arranjar melhor solução. Esta posição seria reafirmada em 1984, numa resposta do gabinete do CEMFA, a um requerimento do deputado Magalhães Mota a propósito do A-7P.(22)  Na informação enviada ao Ministério da Defesa é dito claramente que a Força Aérea precisava "de um sistema de armas apto ao desempenho de operações de combate ar/ar e ar/superfície, adequado às características aeromarítimas do nosso teatro de operações (…) e acessível em termos de recursos financeiros." Nesta altura, estava já programada a entrega de mais 30 aviões para a futura Esquadra 304, sendo referido no documento um custo total de 235 milhões de dólares pelos 50 aviões, incluindo apoio logístico em equipamento e sobressalentes para dois anos de operações, o que dá uma média de 4,7 milhões de dólares por cada avião. Uma opção barata tendo em linha de conta que um F-16A custava naquela época 16.5 milhões de dólares.(23)

Uma oferta norueguesa


Os F-5 noruegueses      Ilustração: Paulo Alegria

Apesar da compra do A-7, a possibilidade de receber aviões F-5 continua em cima da mesa, designadamente provenientes da Noruega. Desde 1979, que este país nórdico vinha mostrando disponibilidade em ajudar militarmente Portugal e a Turquia com a cedência de aviões F-5A/B.
O jacto da Northrop estava ao serviço da RNorAF desde 1965 e, no final dos anos 70, a Noruega tinha três esquadrões de F-5 com 69 aviões nas versões A, B e R. (24)
Tendo conhecimento da oferta, o general CEMFA Lemos Ferreira determina em Julho de 79, o envio à Noruega de dois oficiais da base de Monte Real (tenente-coronel PILAV Vítor Silva e tenente PILAV José Pinheiro) para avaliar os aviões. Com base no relatório da visita e em documentação técnica, a 3ª Divisão do EMFA elabora um parecer em que considera que “a recepção de uma esquadra de F-5A/B seria uma solução de transição aceitável, sob todos os aspectos incluindo o logístico,” mas com o processo de aquisição do A-7 em curso, o dossiê F-5 não conhece grande evolução até 1982. Em finais de Outubro desse ano, a RNorAF comunica às autoridades portuguesas que dispõe, em reserva, de 11 aviões F-5A para oferta, mas com fendas nas entradas de ar que exigiam reparação. Embora os aviões pudessem voar, o custo da reparação das referidas fendas ascendia a 50 mil dólares por avião. Os jactos seriam vendidos por um preço simbólico, mas os custos de transporte e reparação seriam imputados a Portugal. Na resposta, a Força Aérea diz que continua interessada na cedência de aviões F-5, mas de preferência aviões bilugares.
Alguns meses depois, em Julho de 1983, o general Inspector-Geral da RNorAF informa o EMFA, que a Noruega pretende reter todos os F-5 bilugares, além de 30 F-5A. Face a esta informação, a FAP admite que nesse caso “teria que encarar soluções alternativas”, como aceitar alguns F-5A. Mas, em Novembro de 1984, Washington oferece 4 aviões F-5A e 2 motores de reserva a Portugal. A oferta leva a Força Aérea a indagar as autoridades americanas sobre o estado dos aviões e, em resposta ao pedido de informação, é comunicado que são aviões com mais de 3 mil horas de voo, ou seja, muito perto do tempo de serviço calculado para os F-5A (4 mil horas de voo). Além disso, suspeita-se que tenham os mesmos problemas de fendas na estrutura e nas entradas de ar dos F-5 noruegueses. Sensivelmente na mesma altura, a RNorAF faz uma nova oferta a Portugal. Desta vez, 15-20 aviões F-5A/B, um número suficiente para formar uma esquadrilha. (25)  Mas ambas as ofertas acabam por ser declinadas pela Força Aérea, devido ao facto de serem aviões com demasiadas horas de voo e de serem uma versão antiga do F-5.(26)  Mas a opção norueguesa, não seria a única a ser equacionada pela Força Aérea.
Em França, Portugal realiza contactos para tentar adquirir aviões Mirage III já usados, mas por falta de verbas nunca é concretizada qualquer compra. Sem um caça de defesa aérea, seria o A-7 a desempenhar esse papel e a defender o espaço aéreo português.



Agradecimentos: O autor gostaria de agradecer ao Arquivo Histórico da Força Aérea (SDFA/AHFA) e ao Arquivo da Defesa Nacional (ADN), a ajuda prestada para a elaboração do presente artigo e também a Matt Hurley da USAF, o envio da documentação referente ao Departamento de Estado norte-americano. Por fim, um agradecimento ao José Correia pelo memorando sobre a Noruega e ao general Lemos Ferreira e ao coronel Vítor Silva pela leitura e comentários.

(1) FM USMISSION NATO, 21 de Novembro de 1975, Subject: “Portuguese Forces for NATO”. Secret. US Department of State. Documento nº 1975NATO06386.
(2)  Referência presente no documento citado anteriormente. Os 16 aviões que estavam a ser considerados seriam fornecidos pela NATO e deviam ter capacidade para ataque a meios navais na área do Atlântico. Neste âmbito, a preferência da Força Aérea ia para o F-4E ou então para o A-7D Corsair II, como alternativa.
(3)  Nota da Direcção dos Negócios Económicos e Financeiros do Ministério dos Negócios Estrangeiros francês, 31 de Maio de 1974, Archives du Ministère des Affaires Étrangères, Europe/Portugal (1971-1976), série 7, dossier 1.
(4)  Memorando sobre o Fiat G-91Y, 31 de Maio de 1974, Serviço de Documentação da Força Aérea/Arquivo Histórico (SDFA/AH) – 3ª Divisão/EMFA 71/74, Processo 400.121.
(5)  Acta da reunião com delegados da Aeritalia, 25 de Maio de 1974, SDFA/AH – 3ª Divisão/EMFA 71/74, Processo 400.121.
(6)  FM AMEMBASSY LISBON, 11 de Junho de 1974, Subject: “Meeting with Chief of Staff Portuguese Air Force”. Secret. US Department of State. Documento nº 1974LISBON02360.
(7)  João Hall Themido “Dez anos em Washington 1971-1981”, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1995, p. 159.
(8)  Memorando do Estado-Maior da Força Aérea, Assunto: Lista de material a incluir num eventual acordo de assistência com os EUA, 3 de Junho de 1974, ADN F3/14/29/4.
(9)  Carta do Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas para o Director-Geral dos Negócios Políticos, Assunto: Acordo Portugal – EUA. Sobre a base dos Açores, 31 de Julho de 1974, ADN F3/14/29/4.
(10)  Carta da Delegação Militar Alemã em Portugal para o Presidente da Delegação Portuguesa à C.M.L.A. Assunto: Entrega de aviões G91/T3, 17 de Dezembro de 1975, ADN F4/25/61/68.
(11) Heinz Vielain, Portugal pretendia caças a jacto emprestados – Bona ofereceu-os, Jornal Die Welt de 12 de Dezembro de 1975, ADN F4/6/10/15.
(12)   Carta do Subchefe do Estado-Maior da Força Aérea para o Presidente da Delegação militar Alemã em Portugal, 2 de Agosto de 1976, ADN F4/25/61/72.
(13)Acta da reunião de 30 de Setembro de 1976, no EMFA, entre elementos da EMFA e do IMAP, ADN F4/25/61/72.
(14)  Memorando de 21 de Novembro de 1975 já citado anteriormente.
(15)  João Hall Themido, op cit., pp. 245-251.
(16)  Memorando 12/79 de 27 de Novembro de 1979, Estado-maior da Força Aérea, 3ª Divisão, Assunto: Reequipamento da FA – Conversações com a Equipa Governamental Americana em 15 Nov. 79. 27 de Novembro de 1979, (SDFA/AHFA).
(17)  Robert F. Dorr, VOUGHT A-7 CORSAIR II (Osprey air combat), Osprey, 1986, p. 189.
(18)  José Cabeleira, Trajecto de uma Vida entre o Mar e o Ar. Edição de autor, 2004, pp. 328-341.
(19)  Lemos Ferreira e Richard Bloomfield, "Cerimónia de recepção dos aviões A-7P", Revista Mais Alto nº 215 Jan/Fev. 1982.
(20)  Virgílio Roque, "A-7 Corsair II", Revista Mais Alto nº 234 Mar/Abril 1985.
(21)  Jerry Scuts, Northrop F-5/F-20, Ian Allan Ltd, 1986, p. 87. 
(22)  Gabinete do CEMFA para o Chefe de Gabinete do Ministro da Defesa Nacional, informação nº 1173 – Pº 08.02/GAB, Assunto: Requerimento do Sr. Deputado Magalhães Mota. 18 de Julho de 1984 (SDFA/AHFA). 
(23)  Valor deduzido no documento citado anteriormente.
(24)  Jerry Scuts, op cit., p. 32. 
(25)  Memorando sobre o F-5, Março de 1985 (SDFA/AHFA).
(26)  Informação prestada ao autor pelo general Lemos Ferreira



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