Texto: Paulo Mata
Artigo publicado no jornal Take-Off de outubro de 2013
Artigo publicado no jornal Take-Off de outubro de 2013
Axalp é o nome da povoação próxima pelo qual é popularmente conhecido o campo de tiro de Ebenfluh da Força Aérea Suiça, nos Alpes.
Os suíços são um povo neutral por tradição, mas não se pense que tal significa que são desmilitarizados. Muito pelo contrário. A defesa da neutralidade suíça é uma espécie de preocupação colectiva, que está visível um pouco por todo o lado - desde os bunkers existentes na maior parte dos edifícios privados, aos bunkers colectivos que se podem vislumbrar nos sopés das montanhas. É fácil tropeçar em bases aéreas semi-abandonadas, depois do fim da Guerra Fria, transformadas agora em espaços lúdicos, mas facilmente recuperáveis para uso operacional. Mesmo a base aérea de Meiringen, a partir de onde operam os F/A-18 e F-5 que vemos no campo de tiro, está construída dentro de uma aldeia. As estradas atravessam a pista e taxiways, existindo passagens de nível com cancelas para permitir a convivência de veículos terrestres e aeronaves num mesmo espaço.
Ainda não há muito tempo, e já depois da Guerra Fria, realizavam-se regularmente exercícios de operação de aeronaves a partir de troços de auto-estrada, tendo sido mesmo esta possibilidade um dos critérios para a aquisição do F/A-18. Em Meiringen os F/A-18 saem de hangares escavados na montanha, ladeados por quedas de água, nas escarpas que completam o cenário.
Ainda hoje, e contra a tendência por toda a Europa, os cidadãos suíços do sexo masculino não só têm que realizar serviço militar obrigatório a partir dos 18 anos, como têm que efectuar treinos regulares até atingirem os 35 anos de idade. Entretanto, são responsáveis pelo equipamento pessoal, que levam para casa, incluindo o armamento. Mesmo com o fim da Guerra Fria a população já se pronunciou negativamente em dois referendos relativamente ao fim do serviço militar obrigatório, tendo diminuído apenas o número de efectivos permanentes nas Forças Armadas.
Os suíços não tomam por isso a segurança do país de ânimo leve, e o evento anual aberto ao público, em Ebenfluh, com o treino de tiro dos caças, é um motivo de orgulho no país e é quase uma espécie de celebração das suas particularidades, tudo reunido numa paisagem que mais parece um postal ilustrado.
Desde o final do século passado que o evento tem vindo a ser promovido pelas forças armadas locais. A proliferação de imagens captadas desde então, principalmente através da internet, acabaria por criar um movimento de entusiastas por todo o globo, que, quais romeiros, se deslocam todos os anos a Axalp, carregados não de velas ou artefactos religiosos, mas de poderosas teleobjectivas e câmeras do último modelo.
É vê-los subir a montanha a partir das seis da manhã, a cumprir os 700 metros de desnível entre Axalp e Ebenfluh, para conseguir capturar as primeiras passagens do dia.
Apesar do esperado prémio (levar uns bons Gigabytes de fotos únicas para casa), uma jornada a Ebenfluh não está isenta de riscos e possíveis contratempos. Não se aconselha, por exemplo, realizar a "campanha" sozinho, já que o perigo de queda (quase sempre com material pesado às costas) é elevado, assim como perder-se no caminho com a “ajuda” do sempre ameaçador nevoeiro é também uma possibilidade real. A chuva e o mau tempo tanto podem tornar a caminhada extremamente penosa e difícil, como fazer cancelar o evento, o que não deixa de ser ingrato para quem já realizou a subida, e pior ainda para quem comprou passagens desde longe.
Ainda assim, todos os anos a assistência tem vindo a aumentar, principalmente nos dias em que as condições estão todas reunidas para se poder desfrutar do cenário na plenitude.
Nada nos prepara, contudo, para o espectáculo que é ver o treino de tiro em Axalp. Alvos colocados num anfiteatro natural a cerca de 2300 metros de altitude nos Alpes, com caças a passarem, vindos de todos os lados, a metralharem a escassas centenas de metros da distância. Aos já referidos F/A-18 e F-5 a praticar tiro, juntaram-se este ano JAS39 Gripen suecos, oferecendo um vislumbre do que será o futuro próximo, já que a Suíça optou pelos caças suecos para substituir os F-5, o que deverá suceder dentro dos próximos anos. Demonstrações de salvamento por helicóptero em montanha, exibição do Pilatus PC-21 de fabrico local, da Patrouille Suisse e largada de flares q.b. completam o programa habitual, que tantos tem levado a subir o monte de Axalphorn, isto é, lá está, se a meteorologia o permitir.
Quando acaba a aviação há que descer a montanha, o que pode ser tão ou mais difícil do que a subida. Mesmo que não chova, os terrenos estão normalmente húmidos e o corpo já se ressente do esforço, para além da motivação da descida ser amplamente inferior àquela que nos levou ao cume.
No fim, e já no regresso, tempo ainda para uma sessão de arqueologia aeronáutica, na base aérea desactivada de Interlaken, onde por entre muitos antigos abrigos de caças, agora abandonados ao gado, foi possível descobrir um Hawker Hunter, conservado com armamento e inúmeras curiosidades relacionadas.
Axalp é sem dúvida uma experiência para se viver pelo menos uma vez na vida. A estadia e a alimentação são caras (como quase tudo na Suíça), o acesso é difícil, o tempo pode falhar. Mas quando corre bem, vale decididamente a pena.
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