NA FRENTE LESTE DA EUROPA - F-16 portugueses na defesa aérea do Báltico

Texto: Paulo Mata
Artigo publicado na revista Sirius de Janeiro de 2015 e jornal Take-Off de Dezembro de 2014



Tal como é do conhecimento público, a Força Aérea Portuguesa teve destacada no Báltico até 31 de Dezembro de 2014, uma força de F-16. Apesar de não ser uma situação nova, a pergunta que muitas vezes se ouve repetida é “o que fazem aviões nossos tão longe”. A resposta é simples e assenta no princípio de solidariedade de protecção entre membros da NATO. 



Enquadramento geopolítico e histórico

Estónia, Letónia e Lituânia tiveram ao longo dos séculos uma relação atribulada com os países vizinhos de maior dimensão, nomeadamente a Rússia/União Soviética. A  anexação destas republicas bálticas, por parte da União Soviética durante a II Guerra Mundial, fez mesmo parte de um pacto secreto entre Hitler e Estaline (Molotov–Ribbentrop), que ditaria quase cinco décadas de integração na União Soviética após a ocupação militar, branqueada através de referendos e eleições duvidosas. Algo a fazer lembrar acontecimentos recentes na Ucrânia.
Estes países detentores de língua e cultura próprias, estiveram sempre na linha da frente da contestação e intenção de recuperar a independência. Com o enfraquecimento interno da União Soviética  no final da década de 80, tal ambição foi finalmente recompensada em 1990/91, com a presença  militar russa a extinguir-se também gradualmente durante essa mesma década.  Já em 2004,  Estónia, Letónia e Lituânia, viriam a tornar-se membros de pleno direito da NATO.
Não possuindo contudo meios próprios para realizar cabalmente a sua defesa, o espaço aéreo dos três países tem sido vigiado de forma rotativa pelos novos aliados desde então e durante os últimos dez anos.


Com o escalar do conflito interno na Ucrânia já em 2014 e a intervenção russa no mesmo (alegando defesa das suas populações, mas que proporcionaram por exemplo a ocupação da desejada base naval de Sebastopol e a base aérea de Belbek na Crimeia), dispararam os alarmes por todos os países da antiga esfera Soviética, receando-se o regresso a um passado não muito longínquo. Mais uma vez uma ocupação militar e mais uma vez a utilização de referendos de validade duvidosa para branquear os acontecimentos.



Dada a sua posição de acesso privilegiado ao Mar Báltico, as três repúblicas têm por isso demasiados pontos em comum com a Ucrânia, para ser possível dormir descansado na zona. Com a agravante de por exemplo a Lituânia se situar no caminho entre o enclave russo de Kaliningrado e a dócil Bielorrússia, onde a Rússia possui bases e tropas.
A partir de 1 de maio de 2014, e na sequência dos acontecimentos na Ucrânia, os meios aéreos do dispositivo de defesa da NATO no Báltico foram quadriplicados.

O destacamento nacional


Portugal desempenhou entre 1 de Setembro e 31 de Dezembro o papel de nação líder na defesa aérea do Báltico, uma vez que estava já previamente escalonada para desempenhar a missão, antes da situação de crise. Como aumento de força, F-16 dos Países Baixos estacionados em Malbork na Polónia, Typhoon alemães em Amari na Estónia, e CF-188 Canadianos também em Siauliai. No total 16 caças (mais um ou outro spare) para a defesa aérea no Báltico.
Em alerta permanente, uma parelha pronta a reagir em poucos minutos, em cada uma das bases. A partir do Centro de Operações Aéreas Combinadas (CAOC) da NATO em  Uedem, Alemanha, e após ser detectada alguma aeronave não identificada, é accionada a parelha de alerta melhor localizada para realizar a intercepção e  identificação. O tempo de reacção  é o mesmo praticado no QRA assegurado pelas Esquadras 201 e 301, tanto em Portugal como no Báltico, bem como os procedimentos de intercepção, que entre outros, devem passar sempre pela identificação visual da(s) aeronave(s) a interceptar.






Contudo, apesar dos procedimentos serem basicamente os mesmos, o estado de tensão vivido na região pode reconhecer-se nos pequenos pormenores. Na prontidão da reacção das tripulações e mecânicos ao alarme para “scramble”. No cuidado redobrado com a segurança interna na base. Na cautela colocada nas comunicações oficiais, de modo a não causar nenhuma situação ou mal-entendido, que possam fazer perigar o ponto de equilíbrio encontrado.
De igual modo, em qualquer comparação com a última vez que Portugal assumiu as funções de defesa aérea no Báltico em 2007, é assumido oficialmente como não havendo grandes diferenças, pelo menos na forma. Já na quantidade, as estatísticas oficiais da NATO, revelam que as intercepções durante 2014 ultrapassaram largamente a centena, com uma frequência mais de três vezes superior às de anos anteriores. Só nos quatro meses da presença portuguesa em Siauliai, foram conduzidas 70 intercepções a aeronaves não identificadas, metade das quais pelos F-16 da Cruz de Cristo.
Além de situações completamente anormais, como os QRA portugueses interceptarem no mesmo dia aeronaves russas em locais tão distantes como o Báltico e ao largo da costa portuguesa. Resposta russa à presença de caças portugueses perto da sua fronteira? Tentativa de explorar as conhecidas fragilidades da Diplomacia lusa em tomar posições internacionalmente? Se era esta segunda hipótese a pretendida, o efeito parece ter sido precisamente o contrário, ao trazer às luzes da ribalta e da opinião pública portuguesa, a prontidão e eficiência demonstradas pela sua Força Aérea.
Outro detalhe em que se podem também notar diferenças, é na utilização de mísseis ar-ar AIM-120 AMRAAM reais (notar as listas amarelas nos mísseis), guiados por radar, além dos AIM-9 Sidewinder de curto alcance guiados por infravermelhos, normalmente utilizados nas missões em Portugal. Apesar das intercepções continuarem a ser forçosamente visuais (razão pela qual em Portugal apenas se utilizam os Sidewinder), a possibilidade de situações mais complicadas ocorrerem nesta região e nestes tempos, parece aconselhar ter disponíveis armas mais poderosas, como os AMRAAM, que sendo de médio alcance podem ser usados para além do alcance visual. Just in case… 



Ainda assim, as intercepções efectuadas foram geralmente pacíficas, sem sinais de agressividade por parte dos russos, se exceptuarmos um  incidente ocorrido em Novembro (embora fora do Báltico), em que quase se deu uma colisão em voo entre um F-16 norueguês e um MiG-31. Até ao momento, as acções russas parecem mais destinadas a determinar os tempos de reacção e a prontidão das defesas da NATO, do que realmente intenção de entrar em espaço aéreo alheio, o que só ocorreu por uma vez e por breves instantes na Estónia. Mas servindo ao mesmo tempo para lembrar que a Rússia tem uma Força Aérea e que está disposta a usá-la. Diplomacia a fazer lembrar os tempos da Guerra Fria. Tal como o regresso dos canadianos à Europa, que depois de um interregno nos muitos anos estacionados na antiga República Federal Alemã, adensa ainda mais as memórias dessa época de tensão Leste-Oeste.




No final de Abril de 2014, o Canadá destacou uma das suas esquadras expedicionárias na Roménia, como parte das acções de tranquilização da NATO, aos seus aliados mais próximos da Ucrânia.
A Esquadra canadiana seria depois relocalizada na Lituânia, no início do Bloco 36 de Defesa Aérea do Báltico, sendo a primeira vez a desempenhar tais funções. Apesar disso, o contacto e a proximidade com os russos não é novidade para os actuais militares canadianos, dado no seu próprio país serem também mais ou menos usuais os “encontros” no ar com as aeronaves da estrela vermelha, embora quase sempre bombardeiros ou aeronaves de reconhecimento de longo alcance (Tu-95, Il-20) e não caças armados (Su-27, Su-34, MiG-31) como facilmente sucede no Báltico. O contingente canadiano para operar os quatro CF-188 foi de cerca de 130 elementos, quase o dobro dos pouco mais de 70, para igual número de F-16 portugueses. Aliás, para a mesma quantidade de aeronaves, o contingente português foi mesmo o mais pequeno para idêntico trabalho, já que a Luftwaffe fez deslocar cerca de 160 elementos para os seus Eurofighter Typhoon e os Países Baixos cerca de uma centena, para operar também quatro F-16.






A Força Aérea Portuguesa destacou ainda durante o mês de Novembro, um P-3C CUP+ e 27 elementos da Esquadra 601, para funções de Patrulhamento Marítimo, que com o moderno equipamento com que estão equipados, são actualmente uma das melhores plataformas de Informação, Vigilância e Reconhecimento (ISR) na Europa. Em 13 missões realizadas e um total de 90 horas de voo, foram identificados e classificados diversos meios marítimos e aéreos russos, contribuindo assim para um conhecimento situacional permanentemente actualizado.
Com o final do ano de 2014, todas as tropas nacionais regressaram a casa, depois de um exigente, mas brilhantemente executado trabalho. Com o orgulho e a satisfação do dever cumprido e preciosa experiência acumulada, de estar uma vez mais na linha da frente da NATO.
Ao mesmo tempo, o país pode angariar dividendos diplomáticos, a partir dos bons serviços prestados internacionalmente, pelas suas Forças Armadas.

Esta imagem de um Su-27 russo, retirada de um vídeo amplamente divulgado na comunicação social, foi captada a partir da câmera do P-3C da FAP 


O futuro

A partir de 1 de Janeiro de 2015, e mantendo um total de 16 caças na zona, a Itália com Eurofighter Typhoon substituiu Portugal como nação líder no Báltico, com Typhoon espanhóis, F-16 belgas e MiG-29 polacos, como aumento de força.
Até quando irá durar o braço de ferro com a Rússia, só o futuro dirá. Como se desenhará o mapa geopolítico no Leste da Europa é uma incógnita, jogada entre as ambições de Putin e a capacidade Ocidental para lhe fazer frente.
E quem argumenta que a Rússia apenas exerce os seus direitos contra o “imperialismo capitalista”, na sua “zona de influência”, nunca viu certamente o reconhecimento que demonstram os cidadãos destes países ameaçados, para com quem os está a proteger de um regresso ao passado.









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