AW119 KOALA NA FAP

 Texto: Paulo Mata

Artigo publicado nas revistas TakeOff Sirius de Jul/Ago 2020 Aviation News de Jun. 2021 de JP4 de Jun. 2021

A frota Alouette III (AL III) da Força Aérea Portuguesa (FAP) realizou o último voo a 17 de Junho transacto, tal como informámos na última edição da Take Off Sirius. O seu sucessor AW119 Koala havia já chegado à Esquadra 552 cerca de 16 meses antes, cabendo-lhe a ambiciosa tarefa de preencher o lugar de um ícone.

O processo de aquisição

Apesar da substituição do AL III ter sido considerada durante largos anos, o seu fim acabaria por ser precipitado pelo anúncio, em 2016, da intenção por parte do fabricante de descontinuar o fornecimento de peças e certificação de centros de reparação para o motor.  

Após estudo das ofertas disponíveis no mercado e num compromisso entre as missões a assegurar pelo novo modelo (instrução básica, complementar e conversão operacional em asas rotativas, busca e salvamento costeiro, transporte aéreo e apoio à Protecção Civil) e o orçamento de 20,5 milhões de euros alocado na Lei de Programação Militar, ficou definida a preferência por uma aeronave monomotor – tal como o AL III – por maior adequação à instrução e maior economia.

O concurso para aquisição foi publicado em Diário de República a 11 de Maio de 2017, com prazo de apenas 40 dias para a resposta. Dos três modelos considerados inicialmente (Airbus  H125 Ecureuil, Bell 407GXP e Leonardo AW119 Koala) apenas a Airbus e a Leonardo apresentariam propostas. O AW119 Koala seria finalmente anunciado vencedor a 9 de Novembro seguinte, com o contrato de compra de cinco helicópteros e mais dois de opção assinado, finalmente, a 27 de Dezembro de 2017.

A Aeronave

O AW119 Koala foi desenvolvido a partir do helicóptero ligeiro bimotor A109, partilhando com este “irmão mais velho” a fuselagem, cockpit e cabine de passageiros, sistemas eléctricos, hidráulicos e de combustível. Apesar de possuir apenas uma turbina Pratt & Whitney Canada PT6B-37A, o Koala manteve a redundância de sistemas eléctricos e de combustível, o que significa segurança acrescida. 

Doug Edge, piloto de produção da Leonardo

Em visita à linha de montagem dos Koala nas instalações da Leonardo, em Filadélfia, tivemos oportunidade de trocar impressões com o piloto de produção da Leonardo, Doug Edge, que sublinhou estes mesmos aspectos como os pontos fortes do modelo AW119: “essencialmente [o Koala] nasceu como um helicóptero bimotor, pelo que tem sistemas redundantes para tudo, (…) todos os elementos de segurança já lá estavam”. Douglas Edge sublinhou depois as capacidades do motor PT6 que “dá para realizar qualquer missão necessária para a instrução”, tais como “aterragem em auto-rotação ou simulação de falhas de sistemas”. Os 1002 CV de potência da turbina proporcionam, segundo Edge, ele próprio ex-instrutor da US Navy, uma margem de segurança confortável nos voos de instrução, sendo por isso o helicóptero ideal para essas funções. A mesma US Navy demonstraria, pouco depois, concordar com esta afirmação, ao adquirir até 130 Koala (designado localmente TH-73A) para a instrução dos seus pilotos de asas rotativas.

O 29703 na linha de montagem da Leonardo em Filadélfia

A versão portuguesa do Koala vem equipada com um glass cockpit Garmin 1000H NXi, (compatível com o uso de óculos de visão nocturna), que em dois monitores de grandes dimensões permite diversas configurações para múltiplos tipos de missões e de treino. Tem cinco rádios para todas as frequências aeronáuticas, civis, banda marítima e terrestre.

Painel de instrumentos Garmin 1000H NXi do AW119Mk2

Os requisitos definidos para o combate a incêndios florestais foram largamente ultrapassados pelas performances do Koala, conseguindo transportar até seis elementos de uma equipa de ataque inicial em vez dos cinco exigidos, e 100 litros de água acima do mínimo de 800 definido no concurso. De resto, a velocidade máxima de 281 quilómetros por hora faz do AW119 um dos mais rápidos helicópteros monomotores do mercado, com tecto de serviço até 25 mil pés (7500 metros), autonomia até quatro horas e alcance de 990 quilómetros.


Gancho de carga

Farol de busca

O modelo português vem ainda equipado com guincho para recuperador-salvador, flutuadores de emergência e farol de busca para a missão de Busca e Salvamento (SAR), além de gancho para carga suspensa, como o balde Bambi de transporte de água.

O guincho e os flutuadores de emergência bem visíveis na configuração SAR do Koala

Por fim, o facto do Koala da FAP não ter certificação militar permitiu ainda um preço de aquisição mais baixo, bem como tirar partido da cadeia logística do mercado civil para peças de reposição e manutenção.


A transição

Em Setembro de 2018 os dois primeiros pilotos instrutores portugueses iniciaram a qualificação no Koala na fábrica em Filadélfia, EUA, com a duração aproximada de dois meses e meio. Após a chegada dos primeiros AW119 a Beja, em Fevereiro de 2019, estes instrutores ministraram o mesmo modelo de curso aos demais instrutores dos “Zangões”. Foi depois definido pela equipa de instrutores o syllabus do curso de conversão para o novo modelo, a ministrar aos restantes pilotos operacionais da Esquadra 552. O primeiro curso básico de helicópteros totalmente em AW119 tem o syllabus em aprovação, para ser iniciado ainda em 2020 e fará já aproveitamento das capacidades acrescidas no voo por instrumentos.

Treino de aterragem em auto-rotação

Antes dos pilotos, contudo, iniciaram a formação em Filadélfia dois electromecânicos e dois electroaviónicos, que num total de cinco meses receberam os cursos básico de manutenção e de instrutores de manutenção. Os eletromecânicos, sendo também operadores de guincho, realizaram a adaptação ao guincho do Koala, juntamente com os pilotos portugueses. Após a entrega das primeiras aeronaves a Leonardo ministraria, já em Portugal, os cursos iniciais de electromecânicos e electroaviónicos aos restantes elementos da Esq. 552.

Hangar de manutenção da Esq. 552  em Beja

O ano de 2019 foi um período utilizado praticamente na totalidade para a conversão e qualificação de tripulantes e mecânicos na nova aeronave, tendo as poucas missões operacionais realizadas sido quase simbólicas, mas iniciando já a vertente de reconhecimento e avaliação de fogos florestais em Agosto. Dois pilotos instrutores estiveram qualificados simultaneamente no AL III e no Koala, de modo a garantir que todas as missões operacionais eram asseguradas pelo AL III, ao mesmo tempo que se realizava a conversão para o novo aparelho.

A despedida do Alouette III e passagem de testemunho ao Koala em Junho de 2020

Em 2020, e com o aproximar da data de reforma do AL III, as missões operacionais foram transitando para o Koala. No início do ano foram realizadas missões de apoio ao aprontamento das Forças Nacionais Destacadas na República Centro Africana, com Tactical Air Controlers, escolta e tiro real com atiradores helitransportados. Em Maio foi, pela primeira vez, assegurado o destacamento de SAR no Aeródromo de Manobra nº1 em Ovar. Com a época de incêndios deu-se igualmente início, tal como previsto, a um destacamento no aeródromo da Lousã, integrado no DECIR. 

Destacamento da Esq.552 na Lousã no apoio ao DECIR

Balanço

Até ao momento [NR: Outubro de 2020] estão entregues quatro das cinco células previstas em contrato, com a chegada da quinta prevista para Setembro deste ano. A frota realizou até ao final de Agosto passado mais de 1400 horas de voo, das quais cerca de 300 em missões operacionais.

Apesar da falta de certificação militar do AW119 Mk.II  impedir o seu uso em teatro de guerra, não o impossibilita de realizar o treino dessas missões tácticas e a um baixo custo. De igual modo, apesar de não possuir certificação IFR, pode realizar todo o espectro de missões de treino de voo por instrumentos, melhor que o seu antecessor.

Tal como referido atrás, os requisitos para o combate a incêndios foram confortavelmente ultrapassados pelas performances do Koala, sendo que essas o tornam também uma plataforma de SAR bastante superior ao AL III, quer em autonomia, quer pelas características do novo guincho, que ao poder operar a altitudes muito superiores permite, por exemplo, fazer face a obstáculos existentes ou trabalhar com o recuperador fora do efeito do downwash (turbulência) do rotor.


Em termos de manutenção, os ganhos em tempo e custos são enormes, dispensando por exemplo as inspecções entre voos e as diárias que eram obrigatórias no AL III, e passando as inspecções a cada 25 horas de voo para as 50, demorando esta inspecção agora também menos tempo. As inspeções mais profundas, apesar de se manterem às 100 e 400 horas, levam agora menos tempo a concluir, permitindo por isso, taxas de operacionalidade da frota mais elevadas.

O AW119 Mk.II Koala era, na altura do concurso, o melhor helicóptero existente no mercado para o orçamento e missões atribuídas. Entretanto confirmou, já em operação, ser um salto qualitativo enorme e um digno sucessor do legado do Alouette III sob as cores portuguesas. Aquando da despedida o AL III, o ministro da Defesa João Gomes Cravinho assegurou, por isso, a intenção de adquirir as duas unidades de opção previstas em contrato. 

Gomes Cravinho confirmou igualmente estar em preparação o concurso para a aquisição de helicópteros tácticos, capazes de preencher as únicas missões do AL III que o Koala não pode realizar. Mas isso já é uma história para outro artigo.








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